Eu não gostava de ser criança. Todo mundo diz que é a melhor parte da vida, sem preocupações e que os únicos deveres de uma criança são estudar e brincar. Eu odiava a falta de autonomia já naquele tempo, onde os adultos detinham um conhecimento que podia determinar o que acontecia na minha vida. Lógico que eu não pensava com essas palavras, mas eu queria muito saber essas coisas que eles sabiam.
Bom, eu acho que criança sofre, reflete, se frustra. Saiu da barriga da mãe a gente já tá se fodendo um pouco e não dá pra achar que uma época é melhor que outra; as coisas tem seu tempo pra acontecer: primeira palavra, primeiro dente, primeiro passo, primeiro pentelho, primeiro amor, primeiro porre, primeiro emprego. E aí os primeiros vão acabando. E aí a gente vai ficando agoniado, achando que a vida tá passando rápido demais, que a gente tá deixando de fazer alguma coisa, sendo passado pra trás pelo tempo. E essa sensação, pelo menos nos meus conterrâneos de tempo - começa agora, um pouquinho antes dos trinta.
Os primeiros caindo por terra, temos que nos contentar com os segundos, quintos, décimos. Eles não possuem a mesma emoção dos primeiros. Mas podemos aperfeiçoar nossa atuação, deixar a experiência mais completa e interessante: se apaixonar, depilar a perna ou em técnicas ninja de combate a ressaca. Você tá vivendo, você tá vendo e o tempo pode ser cruel com muita coisa, menos com o aprendizado por pura repetição e bateção de cabeça. Ando aproveitando bem essa parte. Quero saber bem mais que os meus vinte e poucos anos. ;)
Mas caso os primeiros sejam tão importantes, não esqueça que eles continuam acontecendo toda hora: dia desses ganhei meu primeiro fio de cabelo branco. Não desesperei. Tá lá ele isolado, prenúncio do futuro, ainda enrolado no meio do meu cabelón preto. Vou deixar que ele amadureça, ganhe companheiros, cresça e apareça antes de pensar no que fazer. Ou no que não fazer. Enquanto eles se espalham por aí, lentamente pelo alto da minha, e da sua cabeça, aguardemos os novos primeiros, que eles virão - talvez não com tanta intensidade - mas com uma surpresa insuspeita das coisas, seu mistério e sua alegria: seja ele o primeiro viagra, a primeira pulada de cerca, o primeiro filho, ou a primeira tinta de cabelo de alta cobertura. Aproveite!
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Amanhã de manhã vou ao Detran entregar um pré cadastro para começar as aulas da auto-escola. Já estou com muita preguiça de existir só por causa disso. Me falaram que apesar da hora marcada é tipo inferno de dante meets incêndio no Joelma.
16 de agosto de 2011
4 de agosto de 2011
A viagem
Bom, primeiro, peço desculpas pela ausência no blog. Como não quero fazer esse espaço de muro das lamentações, me resumo ao seguinte: que fase!
Agora que consegui um momento de tempo livre e saúde mental, vamos ao que interessa.
Eu sempre quis viajar pra Europa. Sonho antigo, contaminado pelo curso de espanhol que fiz durante a adolescência e pelos filmes. Via aqueles cenários e tudo sempre pareceu se encaixar muito mais comigo do que o Brasil. Pessoas melancólicas vestindo cachecol, fumando, lendo, bebendo e tendo diálogos profundos. Nada parecido com essa coisa passional, suorenta, de pouca roupa, cerveja de latinha e caixa de fósforo marcando o ritmo do samba que a gente vê no Brasil. Nosso país pagou pelo meu sentimento de inadequação e despertencimento. E, claro, havia também a vontade de conhecer pessoas e lugares novos. Curiosidade.
Acontece que nunca tive dinheiro pra isso, apesar de ter começado a trabalhar aos 19 anos. Sempre optei por trabalhar com algo de que gostasse, o que significou e ainda significa (não necessariamente para todos, mas, sim, no meu caso) má remuneração. Mediadora de exposições científicas, vendedora extra-natal de loja de shopping pra levantar um trocado no fim do ano, assistente de produção, produtora, professora, copidesque e até dona de casa. Nada me pagou o suficiente na vida para que eu pudesse arcar com as minhas despesas diárias e guardar um trocado pra fazer meu mochilão. O tempo ia passando e eu cada vez mais angustiada porque não queria fazer esse tipo de viagem (eu planejava um mochilão de 6 meses) depois dos 30.
Aos quase 27, saí de um emprego e ganhei uma rescisão bacana. Pensei: "é agora." Mas estava casada, tinha acabado de mudar de casa com o marido e muitas reformas pra fazer, coisas de decoração pra comprar. Nem preciso dizer onde foi parar esse dinheiro. Em poucos meses a casa estava linda, meu bolso vazio e o sonho de viajar para a Europa na gaveta outra vez.
Eis que com o casamento mal das pernas, no início de 2011, eu só pensava que, caceta, ano que vem faço 30 anos e ainda não consegui viajar. Fazendo freelas e sem perspectiva de qualquer dinheiro mais concreto, resolvi pedir ajuda aos universitários. Ou seja, pedi ajuda à senhora minha mãe. Expliquei a situação, minha antiga vontade de viajar, minha necessidade de viajar naquele momento porque não estava com um trabalho fixo e meu casamento já estava enxergando a luz do farol do trem vindo no fim do túnel. Ela concordou! Ueba! Ok, ridículo a pessoa fazer um mochilão aos quase 30 anos bancada pela mãe. Mas ou era isso ou era nada. Engoli o orgulho e fui. (E muito feliz e grata, claro. Manhê, muuuuito obrigada!:-))
Mil ideias de roteiros passaram pela minha cabeça, especialmente os mais econômicos. Cheguei a pensar em fazer um curso de alemão por um mês porque poderia ficar hospedada de graça na casa de uma amiga no interior da Alemanha! Cabeça no lugar, vi que o melhor a fazer, apesar de um pouco mais caro, seria um curso de inglês. Pesquisei na internet, fui em várias agências e optei por fazer um mês de curso em Brighton. Depois, visitaria essa amiga na Alemanha, outra na Espanha e seguiria para encontrar o então marido em Paris e voltaríamos juntos para o Brasil.
Embarquei no dia 26 de março. Minha família e meu então marido se despedindo no aeroporto. E eu com aquele sentimento de insegurança dentro do peito. Entrei no avião, vi uns filmes e chorei um bocado. Estava muito angustiada, me sentindo sozinha e com medo do que essa viagem ia fazer com a minha vida. Talvez ali eu já soubesse que quando eu voltasse pro Brasil tudo teria mudado. Mas, fiquem calmos que não vou fazer desse post um livro. Tampouco um Comer, rezar, amar. Fato é que aquela foi a última vez em que vi o ex. Como você, leitor esperto, já deve imaginar, a distância só piorou a situação do relacionamento e em pouquíssimo tempo eu já tinha me separado e mudado a rota da viagem. Ao invés do cara, minha amiga que mora na Espanha foi comigo para Paris e de lá voltei a Brighton para mais um mês e meio de curso de inglês e de namoro. Sim. Depois que terminei com o ex, acabei conhecendo um inglês maravilhoso por lá e estamos namorando. Agora, a distância, mas em breve ele vem pro Brasil e estaremos juntos novamente. Mal posso esperar.
Mas voltando à viagem, porque acabei contando o fim da história no meio do texto (editores do mundo, uni-vos contra mim!).
Dentro do avião, tive um medo, um sentimento de que a vida não seria mais a mesma quando eu voltasse. Minha vontade era pedir pra descer e voltar pra tudo que eu tinha antes e já era conhecido. Mas isso era só medo. Meus 4 ou 5 primeiros dias, como Renata acompanhou, foram infernais. Essa sensação de despertencimento só se acentuava e nada parecia fazer sentido. Eu não dormia por causa do jetlag (que foi incrementado pelo fato de que antes da viagem eu trocava a noite pelo dia no Rio de Janeiro), minha pele entrou em colapso por causa do ar seco e eu também.
Mas aos poucos consegui me adaptar à família que me hospedou (outro preconceito meu: "Vou ficar hospedada em casa de família com quase 30? Que ridículo!". Mas, olha, foi a melhor coisa que eu fiz. Adorei minha família e eles me ensinaram muita coisa), àquela cidade de clima estranho (uma hora faz frio, outra hora calor, neblina, chuva, sol tudo no mesmo dia), ao fuso horário, à cultura, às pessoas e o mais importante: me adaptei a mim mesma. Ali, eu era livre pra ser eu. Ninguém ia me olhar com aquela cara de "mas por que você está fazendo isso? Tá doida?" (a não ser que eu andasse pelada pelo Royal Pavilion, claro). E ali eu fui eu. Saí de um relacionamento que estava mal das pernas havia muito tempo mas eu tinha medo de deixar, medo de me ver sozinha. E, opa, ali eu estava mesmo sozinha. Medo de quê, então? Revi amigos queridos que há muito não encontrava, conheci pessoas do mundo todo, lugares diferentes, culturas diferentes, hábitos diferentes. Entre tanta diferença, achei eu. Igualzinha àquela que sempre quis viajar para a Europa, mas que finalmente tinha entendido que o despertencimento, a inadequação, não são culpa da coisa passional, suorenta, de pouca roupa, cerveja de latinha e caixa de fósforo marcando o ritmo do samba que a gente vê no Brasil. E que esses sentimentos tampouco passam quando se está no ambiente dos filmes, vendo pessoas melancólicas vestindo cachecol, fumando, lendo, bebendo e tendo diálogos profundos. Esses sentimentos estão dentro de mim, eu sou responsável por eles, esteja eu às margens do rio Sena ou bebendo uma cerveja na Lapa. Me enxerguei muito mais latina sangue quente e muito menos dona de uma melancolia de diálogos profundos do que eu supunha. Voltei sabendo um pouco de outras culturas e lugares que visitei. Mas voltei sabendo muito mais sobre o meu país e sobre mim. E ainda ganhei de brinde um cara maravilhoso que me ajudou (e ajuda) muito nesse processo todo.
No avião de volta, eu chorava copiosamente. Ao ponto de o rapaz que sentava ao meu lado me perguntar se eu estava com algum problema. Não. Nenhum problema. Ao contrário do voo de ida, em que tudo se resumia a medo, na volta, eu chorava de saudade.
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(Bom, se alguém se interessar por alguns relatos mais específicos da viagem, o blog que mantive até minha volta à Brighton é o www.diarioeuropa.wordpress.com E tem fotos no flickr /daniellevidigal.)
Agora que consegui um momento de tempo livre e saúde mental, vamos ao que interessa.
Eu sempre quis viajar pra Europa. Sonho antigo, contaminado pelo curso de espanhol que fiz durante a adolescência e pelos filmes. Via aqueles cenários e tudo sempre pareceu se encaixar muito mais comigo do que o Brasil. Pessoas melancólicas vestindo cachecol, fumando, lendo, bebendo e tendo diálogos profundos. Nada parecido com essa coisa passional, suorenta, de pouca roupa, cerveja de latinha e caixa de fósforo marcando o ritmo do samba que a gente vê no Brasil. Nosso país pagou pelo meu sentimento de inadequação e despertencimento. E, claro, havia também a vontade de conhecer pessoas e lugares novos. Curiosidade.
Acontece que nunca tive dinheiro pra isso, apesar de ter começado a trabalhar aos 19 anos. Sempre optei por trabalhar com algo de que gostasse, o que significou e ainda significa (não necessariamente para todos, mas, sim, no meu caso) má remuneração. Mediadora de exposições científicas, vendedora extra-natal de loja de shopping pra levantar um trocado no fim do ano, assistente de produção, produtora, professora, copidesque e até dona de casa. Nada me pagou o suficiente na vida para que eu pudesse arcar com as minhas despesas diárias e guardar um trocado pra fazer meu mochilão. O tempo ia passando e eu cada vez mais angustiada porque não queria fazer esse tipo de viagem (eu planejava um mochilão de 6 meses) depois dos 30.
Aos quase 27, saí de um emprego e ganhei uma rescisão bacana. Pensei: "é agora." Mas estava casada, tinha acabado de mudar de casa com o marido e muitas reformas pra fazer, coisas de decoração pra comprar. Nem preciso dizer onde foi parar esse dinheiro. Em poucos meses a casa estava linda, meu bolso vazio e o sonho de viajar para a Europa na gaveta outra vez.
Eis que com o casamento mal das pernas, no início de 2011, eu só pensava que, caceta, ano que vem faço 30 anos e ainda não consegui viajar. Fazendo freelas e sem perspectiva de qualquer dinheiro mais concreto, resolvi pedir ajuda aos universitários. Ou seja, pedi ajuda à senhora minha mãe. Expliquei a situação, minha antiga vontade de viajar, minha necessidade de viajar naquele momento porque não estava com um trabalho fixo e meu casamento já estava enxergando a luz do farol do trem vindo no fim do túnel. Ela concordou! Ueba! Ok, ridículo a pessoa fazer um mochilão aos quase 30 anos bancada pela mãe. Mas ou era isso ou era nada. Engoli o orgulho e fui. (E muito feliz e grata, claro. Manhê, muuuuito obrigada!:-))
Mil ideias de roteiros passaram pela minha cabeça, especialmente os mais econômicos. Cheguei a pensar em fazer um curso de alemão por um mês porque poderia ficar hospedada de graça na casa de uma amiga no interior da Alemanha! Cabeça no lugar, vi que o melhor a fazer, apesar de um pouco mais caro, seria um curso de inglês. Pesquisei na internet, fui em várias agências e optei por fazer um mês de curso em Brighton. Depois, visitaria essa amiga na Alemanha, outra na Espanha e seguiria para encontrar o então marido em Paris e voltaríamos juntos para o Brasil.
Embarquei no dia 26 de março. Minha família e meu então marido se despedindo no aeroporto. E eu com aquele sentimento de insegurança dentro do peito. Entrei no avião, vi uns filmes e chorei um bocado. Estava muito angustiada, me sentindo sozinha e com medo do que essa viagem ia fazer com a minha vida. Talvez ali eu já soubesse que quando eu voltasse pro Brasil tudo teria mudado. Mas, fiquem calmos que não vou fazer desse post um livro. Tampouco um Comer, rezar, amar. Fato é que aquela foi a última vez em que vi o ex. Como você, leitor esperto, já deve imaginar, a distância só piorou a situação do relacionamento e em pouquíssimo tempo eu já tinha me separado e mudado a rota da viagem. Ao invés do cara, minha amiga que mora na Espanha foi comigo para Paris e de lá voltei a Brighton para mais um mês e meio de curso de inglês e de namoro. Sim. Depois que terminei com o ex, acabei conhecendo um inglês maravilhoso por lá e estamos namorando. Agora, a distância, mas em breve ele vem pro Brasil e estaremos juntos novamente. Mal posso esperar.
Mas voltando à viagem, porque acabei contando o fim da história no meio do texto (editores do mundo, uni-vos contra mim!).
Dentro do avião, tive um medo, um sentimento de que a vida não seria mais a mesma quando eu voltasse. Minha vontade era pedir pra descer e voltar pra tudo que eu tinha antes e já era conhecido. Mas isso era só medo. Meus 4 ou 5 primeiros dias, como Renata acompanhou, foram infernais. Essa sensação de despertencimento só se acentuava e nada parecia fazer sentido. Eu não dormia por causa do jetlag (que foi incrementado pelo fato de que antes da viagem eu trocava a noite pelo dia no Rio de Janeiro), minha pele entrou em colapso por causa do ar seco e eu também.
Mas aos poucos consegui me adaptar à família que me hospedou (outro preconceito meu: "Vou ficar hospedada em casa de família com quase 30? Que ridículo!". Mas, olha, foi a melhor coisa que eu fiz. Adorei minha família e eles me ensinaram muita coisa), àquela cidade de clima estranho (uma hora faz frio, outra hora calor, neblina, chuva, sol tudo no mesmo dia), ao fuso horário, à cultura, às pessoas e o mais importante: me adaptei a mim mesma. Ali, eu era livre pra ser eu. Ninguém ia me olhar com aquela cara de "mas por que você está fazendo isso? Tá doida?" (a não ser que eu andasse pelada pelo Royal Pavilion, claro). E ali eu fui eu. Saí de um relacionamento que estava mal das pernas havia muito tempo mas eu tinha medo de deixar, medo de me ver sozinha. E, opa, ali eu estava mesmo sozinha. Medo de quê, então? Revi amigos queridos que há muito não encontrava, conheci pessoas do mundo todo, lugares diferentes, culturas diferentes, hábitos diferentes. Entre tanta diferença, achei eu. Igualzinha àquela que sempre quis viajar para a Europa, mas que finalmente tinha entendido que o despertencimento, a inadequação, não são culpa da coisa passional, suorenta, de pouca roupa, cerveja de latinha e caixa de fósforo marcando o ritmo do samba que a gente vê no Brasil. E que esses sentimentos tampouco passam quando se está no ambiente dos filmes, vendo pessoas melancólicas vestindo cachecol, fumando, lendo, bebendo e tendo diálogos profundos. Esses sentimentos estão dentro de mim, eu sou responsável por eles, esteja eu às margens do rio Sena ou bebendo uma cerveja na Lapa. Me enxerguei muito mais latina sangue quente e muito menos dona de uma melancolia de diálogos profundos do que eu supunha. Voltei sabendo um pouco de outras culturas e lugares que visitei. Mas voltei sabendo muito mais sobre o meu país e sobre mim. E ainda ganhei de brinde um cara maravilhoso que me ajudou (e ajuda) muito nesse processo todo.
No avião de volta, eu chorava copiosamente. Ao ponto de o rapaz que sentava ao meu lado me perguntar se eu estava com algum problema. Não. Nenhum problema. Ao contrário do voo de ida, em que tudo se resumia a medo, na volta, eu chorava de saudade.
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(Bom, se alguém se interessar por alguns relatos mais específicos da viagem, o blog que mantive até minha volta à Brighton é o www.diarioeuropa.wordpress.com E tem fotos no flickr /daniellevidigal.)
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